BOM DIA, BOA NOITE!
Voltou do mercado, entrou no elevador, décimo segundo andar. Curtiu a lentidão da máquina e ficou observando a luz vermelha indicando os andares por onde passava. Hoje, sem explicação, eles despertaram lembranças de antigos moradores com os quais se dava.
O terceiro andar lembrou o Doutor Medeiros. Morava sozinho, sem parentes, sem amigos. Os dois ou três com quem tinha amizade desde o tempo do quartel já tinham ido pro “segundo andar”. Só conversava com o porteiro da noite, Seu Antônio, idoso como ele. Papo rápido, futebol e doença. Não mais que 10 minutos e subia para o apartamento. Por duas vezes, conversaram no elevador: política, brizolista doente; futebol, o ídolo Garrincha. O Brasil não estaria assim e o futebol... deixa pra lá. Falava em voz baixa, despedia-se e saía discretamente. Tempos depois, notando sua ausência no prédio, soube que havia falecido. Quem mais sentiu foi o porteiro da noite, que deixou um único comentário como epitáfio: “um bom homem”. O novo morador, jovem atleta de remo do Flamengo, já ocupava o seu imóvel. Bom dia, boa noite.
A luz marcou o sexto andar. Everaldo e Márcia. Ele, policial aposentado, leão de chácara em uma boate do Lido; ela, cantora da noite. Com eles, tinha mais intimidade. Frequentavam a mesma praia, posto três, em frente à Paula Freitas, onde batiam longos papos regados por cerveja. Por vezes, Everaldo preparava uma comida, fazia uma moqueca maravilhosa, e o convidava para integrar o grupo de uns três ou quatro amigos do casal. Depois do almoço, louça lavada, pegava o violão e Márcia cantava algumas músicas do seu repertório, Lupicínio, Noel, Dolores... Ainda se lembra do dia quando a campainha tocou. Na porta, o casal. Viemos nos despedir: estamos de mudança. A idade está chegando e Márcia quer ficar junto à família em Campos de Jordão. Vamos ficar em contato. Nunca mais. No apartamento, uma bolsista do mestrado em Psicologia da UFRJ. Vinte e poucos anos. Bom dia, boa noite.
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No décimo, Dona Marlene e Isolda, a filha solteira. Ela nos setenta; a filha, nos cinquenta. Professoras do município. Ela, aposentada; a filha, quase. Ela, viúva; a filha, solteira. Marlene tinha por ele um carinho especial: fiz um bolinho, quer um cafezinho, precisa de alguma coisa da rua... Ela frequentava dois lugares que alegravam a sua vida: o bingo da Francisco Otaviano e a dança de salão do professor Josemir. Duas atividades que, é bom que se diga, deixavam a filha preocupada. Na primeira, sua mãe deixava na cartela uma pequena parte do seu salário; na segunda, outra pequena parte na mão de Anselmo, bailarino muito mais jovem, que rodopiava pelo salão fazendo a felicidade de sua parceira e a sua própria. Por sorte, o bingo fechou. Anselmo, porém, estava cada vez mais vivo.
Ontem, depois de dois ou três dias sem “quer um bolinho, cafezinho?”, estranhou. Desceu, tocou a campainha, Isolda abriu a porta, e ele viu as malas no chão. Vão viajar? Vamos embora. Mamãe já foi. Não teve coragem de se despedir. O proprietário aumentou o aluguel e não temos condições. Parece que já alugou para um rapaz, músico da orquestra do Municipal. Ficou em silêncio, sem reação, e só conseguiu se despedir com o olhar. Dias depois, cruzou com o novo morador. Reconheceu pela capa do violino. Bom dia, boa noite.
O elevador chegou ao seu andar. Entrou no apartamento, colocou as compras em cima da pia da cozinha, abriu uma cerveja, sentou-se no sofá e, vendo, através da janela, o céu azul, sem nuvens, lindo, disse baixinho como se quisesse esconder do mundo a sua tristeza: ˜boa noite.
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