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Foto do escritorLéo Viana

ANO NOVO





O ano tinha começado alvissareiro pra Lavínia. Vinha de um período complicado, patinando entre problemas pontuais de saúde, instabilidade no emprego, decepções romântico-maritais, incertezas acadêmicas, resultados pífios do Flamengo e, pra coroar, o desaparecimento súbito da gatinha de estimação. Não se considerava “mãe de pet”, mas tinha um carinho especial pela Fofa, o nome que, despretensiosamente, deu para a gata que apareceu e se instalou em sua varanda, sumindo de tempos em tempos, mas nunca por períodos maiores que uma semana.  Apesar dos percalços do ano passado, as coisas se anunciavam boas pro ano que começava. As taxas tinham melhorado.


O colesterol, tema incessante de seus estudos e que lhe valera uma tentativa mal sucedida de qualificação para a defesa do doutorado, parecia recentemente ter saltado das páginas da tese para o seu sangue, só tendo voltado ao normal depois de diversos endocrinologistas, dietas e medicamentos. Era da área, fazia tudo certinho, mas o colesterol, especialmente o “ruim”, parecia não ter o menor respeito pela Dra. Lavínia.


O emprego no grande hospital de rede, chefiando uma equipe de grandes médicos e um setor de endocrinologia considerado um dos melhores do pais balançou com a reprovação. Nem todos eram doutores, mas ela era muito respeitada por sua competência. O pequeno grupo de oposição acusou-a de irresponsável ao tentar provar a desconhecida relação do colesterol com certo grupo de alimentos, o que lhe valeu a reprovação – mesmo com amigos na banca - e o consequente afastamento da chefia, mas não da equipe.


O tamanho do trauma só não foi maior que e descoberta da traição do “namorido”, que vinha há tempos dando plantão na casa de uma enfermeira que trabalhava com ele em outro hospital. Uma colega comum foi a mensageira do apocalipse. Inicialmente a Lavínia desconfiou da colega, como normalmente ocorre nesses casos. Mas, na dúvida, foi conferir e flagrou os dois. Difícil esconder a frustração, mas terminou o relacionamento sem escândalo. Não tinha nem tanto horror assim às chamadas relações abertas. Chegara mesmo a propor antes, houve alguma discussão que terminou sem definição.


Agora, faltou transparência e isso ela não admitiu. A decisão significava adiar o sonho da maternidade mais um pouco. Em sua cabeça de médica, o relógio biológico nem era um drama, mas os 35 estavam aí e ela queria um rebento pra chamar de seu antes dos 40. Cisma pessoal. Queria estar bem disposta pra ver a criança crescer. E fazia questão de um pai presente. Ganhava bem e não alimentava – menos ainda agora – um ideal de romantismo, uma família de comercial de margarina. Mas precisava confiar em quem lhe daria um descendente. Queria sim poder deixar a criança com o pai pra encontrar as amigas ou fazer da vida o que bem quisesse por um fim de semana ou outro. Uma fuga a Búzios, Floripa. Noronha, quem sabe?


Herdou do pai um título de sócia do Flamengo, que pensara em vender várias vezes em apertos financeiros anteriores. Se não o fez, foi porque herdou junto uma paixão enlouquecida pelo rubro negro da Gávea. E foi no Maracanã que afogou mágoas antigas. Desde o Brasileirão de 2009, em que previu o titulo quando ninguém acreditava até a epopéia de 2019, colecionou histórias no estádio. Só não acompanhou presencialmente o título de 2020 por causa da pandemia de Covid, mas seguiu causando estranheza nos colegas pela paixão desenfreada pelo clube mais popular. Médica estranha... Gosta de botequim, futebol... Comentários de corredores de hospital aristocrático.


O desempenho recente do time não arrancava dela as lágrimas de alegria de sempre, mas também não a fazia chorar de tristeza. Racionalizava mais as derrotas que as vitórias. E a sequência de maus resultados em outros campos da vida a ajudavam a relativizar as derrotas no futebol. Gostava de ganhar, mas quem não gosta?


O fato concreto agora é que o ano começava bem! Acordara depois da festa de réveillon com uma sensação de bem estar que não sentia havia muito. Beijos despretensiosos trocados com alguma boca nas areias de Copacabana, incontáveis brindes e várias taças de espumante consumidas com as amigas de sempre, sete ou mais ondas saltadas, roupa íntima na cor certa. Tudo parece ter contribuído pra que às 10 da manhã do dia 01 uma mulher confiante e bem resolvida levantasse da cama, apesar da retrospectiva.


Por um instante imaginou que pudesse estar fantasiando demais. Afinal, o ano mal completara 10 horas de nascido e ainda seria bissexto, o que abre mais possibilidades de problemas. Mas voltou rápido ao entusiasmo inicial.


O miado da gata na varanda, depois de quinze dias de sumiço, só podia ser um bom sinal!!

 

 

Rio de Janeiro, Janeiro de 2024.



 

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