A geração dos (não) sociáveis
Eu sou fruto do século XX, mais precisamente da década de 1970, regime militar, escolas com matérias que remetiam ao regime, saber cantar o hino nacional, o hino à bandeira, da independência.
Mas uma coisa eu me lembro muito bem daquela época, éramos pessoas muito mais sociáveis.
Não sei se isso se deve ao fato das famílias serem significativamente maiores, de não haver ainda tecnologia que fosse capaz de isolar as pessoas atrás da tela de um celular, e acreditem caríssimos e caríssimas leitoras mais jovens, as pessoas se sentavam à mesa juntas na hora do almoço ou do jantar e faziam algo cada vez mais difícil de ver hoje em dia, elas conversavam.
Conhecíamos nossos vizinhos, a gente interagia com as crianças e com os adultos, brincávamos na rua até tarde, uns cuidavam dos outros, em outras palavras e aproveitando o termo central desse artigo, vivíamos literalmente em sociedade.
A década de 1990 trouxe mudanças significativas, a globalização e o surgimento da internet aproximaram (ou não) de vez as pessoas. Quem não viveu aquele momento não imagina o que significou para nós, seres sonhadores que cresceram imaginando como seria o mundo pós século XX, presenciar aquele momento histórico de mudança.
Amo escutar MPB! Amo esta playlist.
Sim teríamos a tecnologia a nosso favor, a partir daquele momento poderíamos estar perto das pessoas mesmo estando longe, seria muito mais fácil socializar, afinal não haveria mais barreiras, e as possibilidades se tornariam infinitas em um mundo onde todos poderiam estar em qualquer lugar a qualquer momento.
Aprender um novo idioma seria muito mais fácil com a tecnologia facilitando a socialização secundária, aquela que acontece fora do ambiente familiar, provavelmente a escola seria um dos principais meios de fazer isso acontecer na prática.
Eu vivenciei tudo isso, mas todas as mudanças que aconteceram a partir de então nem sempre aconteceram na mesma direção dos sonhos da minha geração, que cresceu acreditando que seria possível não só ver com nossos próprios olhos como também usufruir dessa nova forma de socializar.
Seremos seres muito mais sociáveis quando toda essa tecnologia chegar... E ela chegou.
E chegou trazendo sim a tecnologia como parceira, talvez não como imaginávamos, mas certamente mostrando avanços igualmente inimagináveis durante o tempo em que crescíamos.
A possibilidade de ter um aparelho telefônico fora do ambiente doméstico, ter um computador em casa, a TV a cabo trazendo uma programação diferenciada e sem comerciais, o CD, o DVD, mas acredito que a maior contribuição foi mesmo a internet.
Primeiro ganhamos um “nickname”, passamos a nos corresponder por e-mail, chega de cartas, caixas postais, agora éramos seres tecnológicos, com a possibilidade de abreviar, e muito, os contatos que faríamos por escrito com qualquer pessoa que também possuísse uma conta de e-mail.
Amo Roda de Samba. Essa playlist não sai de meu telefone!
E o tempo foi passando, as mudanças cada vez maiores e mais rápidas, e em apenas duas décadas de século XXI, talvez tenhamos presenciado mais mudanças do que em todo século XX, mas uma coisa me intriga e me incomoda nessa história, o quanto nos tornamos reféns da tecnologia e o quanto nos tornamos seres não sociáveis.
Acho que o mais triste é perceber que nos tornamos seres assim inclusive quando pensamos na socialização primária, ou seja, no ambiente familiar.
Hoje dificilmente as famílias se sentam juntas à mesa na hora do almoço ou do jantar, e conversar parece cada vez mais algo do passado.
Em muitas casas é possível ver pessoas isoladas em seus quartos, cada uma com seu celular porque nem televisão se usa mais hoje em dia como fazíamos no século passado, cada um envolvido em seu mundo particular, com seus amigos virtuais que muitas vezes sequer tiveram um contato presencial. Agora é tudo diferente.
A socialização virou algo medido pela quantidade de seguidores, de likes, de pessoas que podem ser influenciadas por atitudes muitas vezes questionáveis, muitas vezes vindas de pessoas igualmente questionáveis.
Não me lembro o momento exato em que isso aconteceu, mas hoje o que se percebe é que a tecnologia nos afastou do mundo real, viramos pessoas rasas, fúteis, que se contentam com conteúdos muitas vezes irrelevantes e o que é pior na minha humilde opinião, pessoas que não fazem questão de serem sociáveis.
Sinto falta das pessoas por perto, rir, brincar, se abraçar, respeitar a opinião divergente, de inserir e ser inserido na sociedade. A sociedade parece estar doente, não me lembro realmente quando foi que isso aconteceu.
Acho que por isso tenho me afastado de algumas redes sociais, a socialização que existe por lá é estranha, não faz muito sentido para mim, então melhor buscar outras maneiras de manter a socialização que eu acredito viva, afinal não quero me tornar outro ser não sociável por causa da facilidade que a tecnologia trouxe, e que tende a piorar se não fizermos alguma coisa.
Paulo Eduardo Ribeiro, do Canal Ponte Aérea, para CRIATIVOS!
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