A Dor da Exatidão
A Dor da Exatidão
(O Mundo antes da Palavra 3)
O dia estava luminoso, mas proibido. Eu não podia olhar para o azul do céu e nem correr no gramado ali na minha frente pois a mulher sentada ao meu lado queria que eu lhe respondesse o número “certo”. Ela tinha me perguntado quanto era sete mais cinco, após tentar me ensinar “adição” contando seus dedos na frente do meu rosto e perguntando, “Está vendo? Tá entendendo?” como que fazendo algum truque ou como se aqueles dedos fossem mágicos. Mas mágicos ou não, truque ou não, aquilo não tinha graça; eu devia me sair com uma resposta “certa” da qual não fazia a menor ideia. Para chegar a ela, tinha que aturar a intrusão de algo invasivo e mandão na minha cabeça como que um molde para dar forma ao meu pensamento. Certa ou não, a resposta que sairia daquele molde seria fria e indiferente ao meu gôsto e tampouco tinha importância pra mim; não podia ser a “minha” resposta.
“Quanto é sete mais cinco?” A mulher perguntou de novo.
Estiquei os dedos e comecei a contá-los, “um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete”, enquanto ela sacudia a cabeça negando o que eu fazia. Mas mesmo assim continuei até o número “oito”, que era a idade de uma prima mais velha que eu admirava e que então devia resolver tudo. Mas não era a resposta certa.
Novamente vi os dedos da professora esticados perto do meu rosto enquanto ela contava:
“seis, sete, oito” até parar no “doze” e dizer, “Entendeu como cheguei lá? Comecei a contar do número “seis” e não do “um” como você fez porque...”
As folhas da arvore inclinada sobre o nosso banco eram tão verdes e brilhantes e bonitas... Mamãe tinha me dito que aquela professora particular que tinha contratado para me preparar pro primeiro ano primário era muito gentil ao me levar pro parque diante de onde morava, pra que eu aproveitasse a tarde colorida e ensolarada. Mas na minha catividade, eu não via nada bom naquilo a não ser a vista das folhas e das cores do parque.
A professora gentil esperou minha resposta sem notar que eu tinha ignorado sua repetida pergunta porque as folhas estavam dançando no vento, algumas ainda presas aos seus galhos, outras flutuando no ar, uma delas girando como uma pequena hélice e aterrissando no meu colo, sem ninguém ligar pra quantas voaram e quantas ficaram porque eram livres e podiam ir aonde queriam sem nunca ter que estarem “certas”. Assim como os barquinhos de papel que eu jogava no mar quando ainda podia ir com minha família mesmo no meio da semana (ao invés de ficar com meus avós no Rio e estudar) para a casa redonda e envidraçada que papai tinha construído sobre um rochedo no meio do mar. Ficou conhecida localmente como “Disco Voador”, e a alcançávamos através de uma ponte de cimento que começava no nosso lote na praia e passava sobre o topo de outras pedras menores imersas no mar pela metade, até finalmente acessar a maior de todas, o pedestal da casa redonda.
Papai e mamãe tinham ficado fascinados com as praias daquela baía quando foram lá a primeira vez. Encontrava-se a três ou quatro horas de distância do Rio, onde morávamos, e eles acharam que parecia uma baía na Grécia. Conseguiram comprar, com um prêmio de arte que ganharam, um terreno naquela costa para construir a casa transparente e exótica que papai concebeu para o topo da grande rocha no meio do mar. A costa daquela área compreendia outras residências entre duas pequenas cidades por onde passava um trem de passageiros que parava nas várias estações correspondentes `aquelas residências.
Nossa casa podia ser alcançada daquele trem, se o pegássemos às seis da manhã no centro da cidade, ou andando, se papai dirigisse seu carro durante horas e o estacionasse no alto da colina por cujo pé o trem passava e descêssem