A COP27 E AS CIDADES
Um dos fantásticos livros de Ítalo Calvino chama-se 'As Cidades Invisíveis'. Simbólico, em narrativa surreal, reportando um relatório efetuado pelo grande viajante Marco Polo para o curioso Kublai Khan, Imperador da Mongólia e grande parte da China e boa parte da Ásia oriental, que desejava conhecer detalhes de seu extenso reino. Dentre as cidades relatadas, ele fala de algumas que são separadas por verdadeiras montanhas de lixo que lá produzem. É uma metáfora fácil de entender quando hoje circulamos entre as grandes cidades e verificamos em seu entorno terrenos baldios, partes de carros abandonados, aterros sanitários, lixões e outros depósitos mais ou menos organizados dos produtos oriundos do lixo gerado. Este lixo é um problema muito grande. Nós os temos de todo tipo: lixos orgânicos, lixos hospitalares de alta contaminação, lixos não degradáveis de metais e outros compostos que podem contaminar os lençóis subterrâneos de água etc. Uma das grandes tarefas cumpridas por pessoas de condições sociais mais sacrificadas socialmente, os catadores, precisa ser repensada. Ainda hoje o que vemos é uma enorme produção de resíduos e pouca atenção para a reciclagem. A principal razão é porque a reciclagem é cara. É muito mais caro reciclar um plástico do que obter um novo. Da mesma maneira, temos o alumínio - e o Brasil é um país que no tocante a estes pontos tem uma performance boa. Estamos, porém, cansados de ver verdadeiras ilhas artificiais constituídas de puro resíduo plástico no sudeste asiático crescendo em uma velocidade enorme e uma acumulação muito grande nos rios e oceanos locais. A política em relação aos resíduos tem que ser repensada. Alguns são relativamente fáceis de eliminar e valiosos: papel, papelão e até uma série de plásticos. Outros são mais complexos e existe um período de degradação, como o lixo orgânico, e são grandes produtores de metano que, em sua decomposição, demandam o uso de energéticos para que evitem a emissão de gases de efeito estufa. Mas uma enorme quantidade de outros resíduos não encontram destinação econômica e têm que ser pensados com uma total redefinição de sua produção, já que o custo de sua reutilização é praticamente proibitivo. Essas questões todas sugerem que as imagens de Ítalo Calvino não são tão surreais quanto possam parecer à primeira vista. Nós vivemos em uma sociedade de consumo já com 8 bilhões de pessoas - com perspectivas de chegarmos a 12 bilhões, onde talvez se estabilize e, portanto, com o crescimento econômico e com perspectiva de geração de resíduos sólidos em volume dobrado, se compararmos com o atual. É fundamental que políticas públicas definam a alocação disso e, especialmente, proíbam ou taxem violentamente a utilização de produtos em embalagens e materiais cujos descartes tragam inconvenientes permanentes. É mais um legado negativo que estamos deixando para as futuras gerações, o que é inadmissível porque, à luz das tecnologias vigentes, temos solução para produzir não apenas embalagens, como também os materiais e os próprios objetos que não contaminam o meio ambiente. A Cop27 recentemente concluída em Sharm el-Sheik apontou inequivocamente que os países mais ricos têm que apoiar a transferência de tecnologia para os países mais pobres e de dinheiro para que a preservação do meio-ambiente não seja apenas um esforço vazio e possa ocorrer além dos efeitos das mudanças climáticas no sentido amplo. Os efeitos da contaminação da natureza e a necessidade de sua restauração ficaram muito patentes nesta conferência da ONU e nós ouviremos cada vez mais falar nisso. É importante que todos cobrem políticas públicas pertinentes. E é também necessário e evidente que nos preocupemos individualmente com respeito às nossas próprias atitudes em relação à produção de resíduos sólidos, um dos principais fatores de degradação ambiental.
Cultura
Vielas da Memória, de Tuninho Galante.
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