2022, Ano Darcy Ribeiro. Uma bela tacada da UERJ
Um dia desses um amigo referiu-se aos meus textos publicados aqui na Criativos, como memórias. O comentário não foi em tom de crítica negativa. Foi uma observação até adornada de adjetivos. A princípio, neguei. A quem interessariam minhas memórias? Mas depois, ainda ruminando os argumentos do amigo e por considerar o meu estágio de vida, concluí, que o que tenho hoje são mais memórias do que “coisas a fazer”. Aceitei, em parte. Não dói tanto assim e, nem machuca ninguém. Importem ou não a alguém. Então vamos lá.
Na minha trajetória como repórter, entrevistei políticos de variadas colorações que poderiam constar de uma hipotética escala, indo do emocionante ao fraco (ou suportável, por questões profissionais), passando por fortes, dignos, insípidos. No ponto máximo da escala incluo uma entrevista que fiz com Brizola num evento realizado no Instituto Santo Antônio, o “Colégio das Irmãs” em Nova Iguaçu. Foi no meio dos anos 1980. E mais que a entrevista, a atmosfera foi fundamental. Estavam lá, além do nobre gaúcho, entre outras estrelas o bispo de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga e o ‘Cavaleiro da Esperança’, Luiz Carlos Prestes, a quem fiz questão de me apresentar. O momento foi sublinhado pelo comentário, quase sussurrado, de uma senhora que presenciou o aperto de mãos: - “É bom apertar a mão da História, não é?”.
Na relação dos entrevistados estão: Lula, Moreira Franco, José Serra, Marcelo Crivela, Cesar Maia, Lindberg Farias, Cidinha Campos, Lupi, Francisco Amaral e outros que nem lembro mais. Nomes que ocupam todo o espectro da tal escala que falei. Do forte ao fraco. Lula está lá em cima, no ‘Forte’. Com ele (e com alguns poucos) ocorreu além da entrevista, contatos indiretos em meio a eventos ou sendo a entrevista, uma coletiva. Entrevistei o ex-presidente para a Rádio Angra, num churrasco. Passada a entrevista, veio o bate papo e aí pude constatar in loco, o propalado carisma que envolve o cidadão.
Voltemos a Leonel Brizola, que foi quem mais entrevistei ou com quem mais estive, em ambientes no qual ele era o destaque. E lembro de uma visita sua a mesma Rádio Angra, início dos anos 1990. Brizola fazia uma visita à cidade, não lembro o motivo e, como usualmente acontecia com visitantes ilustres, o velho caudilho visitou o casarão onde ficavam os estúdios da Rádio Angra. Participaria de um programa ao vivo com João Carlos Rabelo.
Ouça o lindo disco de Mariozinho Lago, na Spotify.
Era ainda o período da manhã. Brizola chegou com o costumeiro sorriso, acompanhado do seu staff e trajando o conhecido terno cinza, camisa azul claro sem gravata e calçando as tradicionais botinas de cano médio, que costumava usar. No salão, para os cumprimentos das equipes do jornal e da Rádio, um ligeiro constrangimento se insinuou ao notarmos que o homem usava uma bota preta e outra marrom. Ele respondeu a curiosidade de um mais ousado:
“Eu moro em Copacabana e tive que acordar bem cedo. O quarto estava escuro e não acendi a luz para não acordar a Neuza. Calcei as botinas no escuro, o que deu nisso”. As gargalhadas fulminaram os resíduos de constrangimento que restavam.
Das entrevistas (e não foram tantas assim), a que considero a mais importante, até pelo aspecto profissional foi com o mestre Darcy Ribeiro. Professor, sociólogo, antropólogo, escritor, indigenista, imortal da Academia Brasileira de Letras, ex-ministro da Educação. Classificá-lo apenas como político é insuficiente.
CD Roda de Samba do Bip Bip - Escuta no Youtube.
A entrevista foi feita no estúdio de gravação da Rádio Angra e tive como testemunha somente o jovem, quase garoto, Rogério Couto, um prodígio de técnico de áudio e craque em edição de sonoras para jornalismo e publicidade. Num tempo de gravador de rolos e edição feita com estilete e durex. Darcy sentado e eu ao lado, de pé, fazendo as perguntas. Cerca de uma hora de conversa. A cada pergunta o mestre respondia praticamente com um livro falado, tal a quantidade de informações, reflexões e análises aprofundadas para os, aparentemente, mais simples dos temas. Foi um arraso. Saí daquele estúdio melhor do que entrei. Mais denso e muito mais integrado à realidade do meu país. Darcy Ribeiro, que falta nos faz.
É digna de aplausos a iniciativa da UERJ pela homenagem ao centenário desse essencial mineiro de Montes Claros. E ao vermos os atuais ocupantes da pasta da educação no país, entendemos com muita clareza, a miséria e a penúria educacional e cultural em que fomos mergulhados. OBS.: Este ano é também o centenário de Leonel Brizola, que faria aniversário dia 22 de janeiro, depois de amanhã. Parabéns!!
“Urge preveni-los do muito que se poderia fazer, com apoio no saber
científico, e do descalabro e pequenez do que se está fazendo” (Darcy Ribeiro – 26/10/1922 / 17/02/1997)
Lançamento da semana.
Tuninho Galante, em Frevo das Guitarras.
Didu Nogueira e o CD Identidade.
Familia Lago!
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