É possível conciliar o agronegócio e a sustentabilidade? Parte V
ALAVANCAS DE POLÍTICA PÚBLICA
Antecedentes históricos e a oportunidade à frente A agricultura no Brasil, assim como em outros países líderes na produção de alimentos, vem passando por transformações estruturais em que sistemas de produção intensivos em recursos naturais têm sido substituídos por sistemas intensivos em tecnologia, informação, capital e recursos humanos (ASSUNÇÃO, CHIAVARI, 2015; BOETTIGER et al., 2017; CHADDAD, 2017; CONJUNTURA ECONÔMICA, 2017; LOPES, 2017; MUELLER, MUELLER, 2016; OECD, 2016; SETO, REENBERG 2014; SHANKAR et al., 2016; VIEIRA, GASQUES, 2016).
A base dessas mudanças é a existência de ineficiências no uso da terra. Por razões históricas, que remontam ao período colonial, a área atualmente disponível para a produção está subutilizada. O Brasil acumulou, ao longo de sua história, uma série de políticas, escolhas tecnológicas e institucionais que se basearam na abundância de terras, visando à ocupação do território. Esses fatores foram determinantes para o quadro atual, em que há grandes oportunidades para conciliarmos a necessidade de aumento na produção de alimentos com a proteção dos ativos ambientais (ASSUNÇÃO, CHIAVARI, 2015; FBDS, 2014; KLINK, MOREIRA, 2002; MUELLER, 1990; ROCKSTROM et al., 2017; VENTER et al., 2016; WEST et al., 2014).
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Tanto a posição de destaque que o Brasil ocupa no contexto internacional em vários setores do agronegócio quanto as conquistas no combate ao desmatamento constituem exemplos dos avanços na direção dessas transformações estruturais. Mas ainda há uma parcela expressiva da área disponível que se encontra distante da fronteira de produtividade ou que merece maior grau de proteção (ASSUNÇÃO, CHIAVARI, 2015; BRANDO et al., 2013;HARFUCH, MOREIRA, 2012).
Um novo caminho institucional e regulatório A agricultura brasileira é, para a maioria de seus produtos, uma atividade relativamente recente. Até a década de 1960, havia basicamente uma agri- cultura de subsistência no interior, com poucos produtos destinados ao mercado externo, como o açúcar, um dos primeiros itens de exportação, e o café, do qual o Brasil é o principal fornecedor do mercado mundial há dois séculos.Além desses nichos, até a década de 1970, não havia tecnologia desenvolvida para produzir os principais elementos da cadeia mundial nos trópicos. A Revolução Verde (ALVES, SOUZA, 2007; CHADDAD, 2017; STEVENSON et al., 2013) trouxe novas tecnologias, que levaram agricultores de regiões tradicionais, principalmente do Sul, para áreas mais tropicais, onde aprenderam a trabalhar em um bioma onde até então nunca haviam sido produzidos grãos e oleaginosas: o Cerrado (KLINK et al., 1995; RADA, 2013; THE ECO- NOMIST, 2010).
Essas regiões haviam sido parcialmente desenvolvidas a partir de uma política de ocupação do território, iniciada pelo Marechal Rondon em sua Marcha para o Oeste, estratégica para trazer colonos de outras regiões e atrair investidores interessados no valor imobiliário da terra, sem foco na produção. Isso levou à abertura da maioria dessas áreas à pecuária extensiva, com alguns polos de produção de alimentos nas melhores terras (KLINK et al., 1993).
Com a reforma tributária que retirou a tributação sobre produtos exportados em 1996, houve um grande incentivo à expansão da produção para abastecer o mercado mundial (CHADDAD, 2017; MUELLER, MUELLER, 2016; ZYLBERSZTAJN, 2010).
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O Brasil saiu então de um modelo histórico de importação de alimentos para se tornar hoje o maior exportador líquido do planeta e um importante fornecedor do mercado mundial, sendo o maior exportador de café, açúcar, soja, carne bovina e avícola, suco de laranja e tabaco, além de importante fornecedor de milho, carne suína e outros. O Brasil também é o maior produtor de etanol de cana-de-açúcar, um biocombustível que evita 90% das emissões de gases causadores do efeito estufa, se comparado com as emissões da gasolina (SOUZA et al., 2015). A expansão de biocombustíveis no Brasil, diferente do que ocorre em outros países (p. ex., EUA), ocorreu em áreas de pastagens subutilizadas, sem impactos rele-vantes sobre o desmatamento ou o preço de outras commodities (ASSUNÇÃO etal., 2016b).
A intensificação da pecuária, a expansão da produção de grãos e outros produtos em áreas de pastagens subutilizadas e a introdução de novas tecnologias, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF),têm levado a um contínuo crescimento de sua produtividade, o que faz com que a produção tenha ainda um grande potencial de crescimento (CAMERON, 2016; DEI- NINGER et al., 2013; HARFUCH et al., 2016; VIEIRA FILHO, GASQUES, 2016; WHELAN et al., 2017).
Outro fator que incentiva novos investimentos para a expansão da produção brasileira é o fato de, nas décadas recentes que trouxeram grandes desafios à agricultura, em crises financeiras e políticas setoriais que nem sempre agregavam retorno, novos modelos de produção foram desenvolvidos e adotados em escala crescente pelos melhores produtores. Investidores internacionais e brasileiros desenvolveram um novo modelo de agronegócio com escala e baixos custos para atender ao mercado mundial de commodities com demanda crescente, mas com preços voláteis determinados por fatores momentâneos de oferta e demanda.
Com isso, o país se tornou um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo. A geração de renda e empregos do setor agropecuário tem grande relevância para a economia nacional (GARCIA, VIEIRA FILHO, 2014; LANGEVIN,2017) e o crescimento da renda nas economias emergentes tem aumentado a demanda por produtos agropecuários no mercado mundial; como tais economias não têm como expandir significativamente sua produção, espera-se que a produção brasileira siga expandindo no ritmo observado nas últimas décadas para atender à segurança alimentar do planeta (CHADDAD, 2017).
Também na arena internacional, há grande expectativa de que o Brasil seja um dos líderes na conciliação da agenda da produção agropecuária com a proteção ambiental e na construção de uma economia de baixo carbono (OCDE, 2016; GAETANI et al., 2013).
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Por ser detentor de elevada biodiversidade e da maior extensão de floresta tropical do planeta, espera-se que seu protagonismo na agenda internacional da mudança do clima e da biodiversidade seja de excelência. Vários setores da sociedade brasileira já fomentam a criação e o fortalecimento de uma economia de baixa emissão de carbono, como a agricultura de baixo carbono, as energias renováveis e a bioenergia, as florestas plantadas, os mecanismos do financiamento verde, os sistemas de monitoramento ambiental, dentre outros.
Portanto, ganha nova dimensão a necessidade de políticas inovadoras, algumas já presentes no arcabouço brasileiro, especialmente o planejamento e a inteligência do território à partir do “novo” CódigoFlorestal, a criação de novos negócios e a conservação a partir da aprovação do marco regulatório para uso e repartição de benefícios dos extensos recursos genéticos do país, a incorporação de abordagens analíticas nos processos de elaboração de políticas ambientais e o crescente protagonismo do setor privado na busca por soluções para os temas ambientais do país (ASSUNÇÃO, CHIAVARI, 2015; GAETANI et al., 2013; OCDE, 2016).
É preciso que se trate as políticas ambientais de modo mais estratégico e, para tal, se faz necessário que o país organize, construa e coordene os arranjos institucionais necessários para que as políticas ambientais sejam mais arrojadas. Como exemplos, podemos citar a melhoria da base analítica de setores-chave como a agricultura e a energia para municiar o país de melhor capacidade nas negociações internacionais da mudança do clima (BANCO MUNDIAL, 2017; CÂMARA et al., 2015; MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015; TOLMASQUIM et al., 2016), a elaboração de programas de restauração das terras degradadas, particularmente no Cerrado e na Mata Atlântica (CROUZEILLES et al., 2017; FARUQI et al., 2018; LATAWIEC et al., 2015; MMA, 2017; VERENA, 2016) e a incorporação de parâmetros ambientais na concessão de crédito e políticas voltadas ao sistema financeiro nacional (ALVES,2017; ASSUNÇÃO et al., 2016a; CEPAL, GIZ, IPEA, 2016; CBI, 2017; OCDE, 2016).
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É esperado que, nos próximos anos, o governo federal promova investi-mentos para enfrentar o problema crônico da infraestrutura do País. Tais investimentos deverão tratar das ineficiências regulatórias nos setores de rodovias, ferrovias e portos, para que se alcancem resultados significativos na infraestrutura e produtividade agrícola (CHIAVARI, REZENDE, 2016). O marco regulatório da infraestrutura tem passado por mudanças constantes desde o final da década de 1990, o que tem gerado insegurança no mercado, diminuição na viabilidade de investimentos e queda na qualidade da infraestrutura existente. Essa ineficiência aumenta o custo e o tempo de transporte, o que diminui a competitividade da agricultura e limita o desenvolvimento econômico do país. Por exemplo, transportar uma tonelada de soja do seu local de produção até o ponto de exportação chega a ser quase três vezes mais caro que nos Estados Unidos (CHIAVARI, REZENDE, 2016).
Portanto, para atender à crescente demanda do mercado mundial, no médio prazo poderemos mais que dobrar a produção de alimentos na área atualmente ocupada pela agropecuária, o que demandará vultuosos investi- mentos na intensificação das atividades e no desenvolvimento e difusão de novas tecnologias e novos modelos de produção, garantindo bons retornos aos investidores, além de trazer melhor valoração pelo consumidor mundial da produção brasileira, caso alcance a responsabilidade ambiental e social em sua totalidade.
A agricultura de baixo carbono (Plano setorial de mitigação e de adaptação para a consolidação de uma economia de baixa emissão de carbono na agricultura – Plano ABC) é um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima. Oferece crédito rural voltado para a recuperação de pastagens degradadas, a implantação e o melhoramento de sistemas de plan- tio direto “na palha”, implantação e melhoramento de sistemas de integração lavoura-pecuária, lavoura-floresta, pecuária-floresta ou lavoura-pecuária-floresta, sistemas agroflorestais, manejo de florestas comerciais, produção de carvão vegetal, tratamento de dejetos e resíduos da produção animal para geração de energia, utilização da fixação biológica do nitrogênio, entre outros (www.agricultura.gov.br/sustentabilidade/plano-abc).
Entre os anos-safra 2010/2011e 2017/2018, foram investidos R$ 14,57 bilhões, em mais de 30 mil contratos; esse montante representa 57% do volume de crédito disponibilizado para o período(R$ 25,67 bilhões de crédito disponibilizado para os produtores rurais) e os principais agentes financeiros são o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) (www.agricultura.gov.br/sustentabilidade/plano-abc; www. bb.com.br; BNDES, 2017).
O Plano ABC tem sido alvo de críticas recentes pela redução dos investimentos nos anos recentes e pela grande desigualdade no aporte às diferentes tecnologias; por exemplo, acima de 80% dos investimentos foram direcionados à recuperação de pastagens e ao plantio direto nos últimos 3 anos-safra; 6% foi investido em florestas, e 5% em ILPF, restando menos de 10% dos recursos para investimentos nas outras tecnologias promovidas pelo Plano ABC, como tratamento de dejetos, afixação biológica do nitrogênio e sistemas orgânicos (FREITAS, 2018). Há também desigualdade de distribuição dos recursos entre as regiões do país (WANDER et al., 2016).
O Plano ABC é monitorado pelo Observatório ABC, que em análise recente recomendou revisão do Programa com o objetivo de melhorar a tomada de crédito para tecnologias de baixa emissão de carbono, expandir o financiamento da recuperação das pastagens degradadas, avaliar e monitorara adoção de práticas não contempladas pelo crédito agrícola oficial e rever as áreas prioritárias para aumentar o potencial dos ganhos ambientais associados à recuperação das pastagens em diferentes regiões do país (GV AGRO, CLUA, 2017). O impacto do Plano ABC poderá ser incrementado por meio de in- vestimentos iniciais mais substantivos para adoção de tecnologias, particularmente as mais novas como a ILPF, mudanças nas práticas agropecuárias e na gestão e manejo da propriedade, capacitação e disseminação das informações(GURGEL, 2019).
Em suma, políticas e ações voltadas para o combate ao desmatamento, a implementação de unidades de conservação, a redução de emissões de gases do efeito estufa, o financiamento da conservação ambiental e a restauração de terras degradadas devem ser entendidas como parte das estratégias para alcançar a conciliação entre a produção agropecuária e a conservação ambiental do Brasil.
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